Papa Leão X e Frei Tetzel, o camelô de Indulgências

Papa Leão X e Frei Tetzel, o camelô de Indulgências

 

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Os leitores que estão acompanhando a nossa série de posts sobre os papas insensatos da Renascença já puderam perceber que se tratava de um quadro complexo, e esse humilde escriba tentou, até aqui, apenas passar para vocês as linhas gerais da situação. Mas o que precipitou o fim da unidade cristã foi o abuso de Leão X. E do nordeste da Alemanha, em Wittenberg, surgiria Lutero, o instrumento do mal.

Alguém já se perguntou: por que a Alemanha? Por que a Reforma não surgiu na França, ou na Itália, ou na Inglaterra? Resposta: porque, graças ao Papa Leão X, a Alemanha vivia uma situação de penúria espiritual e financeira. Certo fortalecimento econômico – e, antes de mais nada, o fortalecimento TEMPORAL – se deu a partir do momento em que o Estado assumiu o controle e o direcionamento da Igreja.

Os grandes estados europeus, naquele tempo, possuíam um governo forte, ou pelo menos governos regionais poderosos o suficientes para resistir aos disparates que pudessem advir de doidos que viessem a ocupar a Cátedra de Pedro, como Leão X. Mas a Alemanha, não. A Alemanha, como a conhecemos hoje, é uma criação quiçá moderna. É um estado contemporâneo que somente surgiu no século XIX. Nos tempos de Lutero, o que tínhamos era um bando de duques e condes reunidos sobre o pomposo título de “Sacro Império Romano-Germânico“. Pequenos duques e condes fracos: a vítima perfeita para os desmandos financeiros de um Papa desesperado e completamente esvaziado de zelo apostólico.

Roma era extremamente antipática aos olhos do povo alemão por conta disso. Era uma força alienígena e sangue-suga, mas que possuía a autoridade legada por Jesus e era a casa do Espírito Santo (o povo alemão acreditava nisso). Mas, como manter essa imagem com um papa que por si não a respeitava como deveria? Foi nesse barril de pólvora que Leão X soltou um idiota completo chamado Johann Tetzel, um frade dominicano. Leão X? Esse continuava mais preocupado com suas estátuas de mármore a serem construídas em Roma.

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Imagem de uma bula de indulgência como as que eram concedidas por Leão X

As indulgências, grosso modo, podem ser consideradas como uma dispensa da prática de boas ações, sob condições particulares, no todo ou em parte, como penalidade. Deu pra entender? Indulgências são penalidades, servem para pagar a pena dos pecados já perdoados por meio do arrependimento e da confissão (leia aqui nosso post sobre o que são as indulgências). Tetzel e outros panacas, contrariando a doutrina da Igreja, apregoaram que as indulgências eram A LIBERTAÇÃO DO PECADO EM SI. Daí para começar a barganha e a venda de graças, foi um pulo.

Sabem para onde ia originalmente o dinheiro das indulgências? Para hospitais, orfanatos, casas de recolhimento e amparo de viúvas, obras de caridade. A Igreja de Jesus sempre foi pobre, mas parece que esqueceram de ensinar isso a Leão X. As indulgências da forma como foram originalmente concebidas e distribuídas eram sim, completamente justificáveis; não eram dadas como a absolvição do pecado, mas era sim a PENALIDADE POR SE TER COMETIDO UM PECADO.

tetzel_indulgenciasPorém, os cobradores de Leão, como Tetzel, na prática, eram traficantes da fé. Um terço da grana arrecadada com a venda de indulgências ia direto para Leão X. Isso seria – cometendo o mais nefasto anacronismo possível – como se você arrancasse dinheiro da Alemanha para financiar obras na Itália. Muito embora as relações humanas daqueles tempos fossem absurdamente diferentes das que temos hoje, a revolta que isso pode provocar em um povo ainda é a mesma.

Mas é meu dever salientar que, mesmo Leão X, NUNCA, EM HIPÓTESE ALGUMA, proclamou uma besteira como falar que as indulgências libertam a pessoa do pecado. Ele apenas foi convenientemente omisso com a pregação distorcida e vergonhosa de Tetzel (ou seja, esse Papa jamais proclamou qualquer doutrina errada, e assim o Magistério da Igreja manteve-se santo e ileso, graças à infalibilidade papal concedida pelo Espírito Santo).

Despreparado como era para lidar com um assunto de raízes tão profundas, Leão X vivia no seu claustro romano como seus antecessores, sem ter a mínima ideia do que ocorria na Alemanha e tendo raiva de quem sabia – vide a sua desconsideração pelos avisos dados. Não podemos negar que antes de Lutero houve um Wycliffe e um Jon Huss (já falamos sobre essas figuras em nossas postagens sobre Lutero e a Reforma Protestante; não vamos repetir aqui o que explicamos antes, continuem nos seguido e aproveitem para reler o material).

Após os fatos que narramos na Dieta de Worms, num embate entre as forças de Carlos V e francesas, as cidades de Parma e Piacenza voltaram ao domínio dos Estados Pontifícios. O Papa, como era de costume, deu uma festança. Pegou um resfriado; o resfriado evoluiu para pneumonia e, por fim, ele veio a falecer.

Em oito anos de pontificado, Leão X consumiu 5 milhões de ducados e deixou um rombo de 800 mil para seu sucessor. O belicoso Júlio II ao menos tinha como justificativa para seus desmandos e gastos o desejo de ratificar e fortalecer os Estados Pontifícos. Leão X nem isso: ele apenas gastava dinheiro ,porque é o que Médicis fazem. Era compulsivo e descontrolado e nem um pouco católico, numa visão final.

Os cardeais que elegeriam o sucessor de Leão, quando se dirigiam ao Concílio, foram vaiados. Com razão.

A seguir: Clemente VII, o saque de Roma e, afinal, QUEREM, POR FAVOR, PARAR DE COLOCAR MÉDICIS NO TRONO DE SÃO PEDRO???!!!!

Fontes:

TUCHMAN, Barbara. A Marcha da Insensatez: De Tróia ao Vietnã. Editora José Olympio, 1986.

RUSSEL, J.G.. Field of Cloth of Gold: men and manners in 1520. London: Routledge, 1969

E mais os livros indicados no post Catelivros Especial – Fontes Para a História dos Papas