Papas do Séc. X (parte IV) – Brincando de ioiô

20/08/2014 11:45

E aí meu povo,

Terminado o período de horror dos Teofilactos, temos agora um papado se reconstruindo, com o auxílio dos imperadores alemães Oto I, Oto II e Oto III.  Graças a eles, os Papas que eram destituídos de forma ilegal voltavam ao trono de Pedro (isso quando não os matavam antes).

Oto I, duque da Saxônia, era filho de Henrique I, O Passarinheiro.  Foi coroado rei dos Germanos em Aix-La-Chapelle (lembra dela? As fontes termais de Carlos Magno) e graças a ele as coisas começam a voltar aos eixos.  Vejamos então os últimos papas desse conturbado século X.

João XIII - Foi eleito graças à intervenção de Oto I.  Por conta disto, foi ignorada mais uma vez a proibição canônica da transferência de bispo de uma diocese a outra, uma vez que João XIII era bispo de Narnia (não, ele não conheceu Aslam, não combateu a feiticeira de gelo nem viajou no Peregrino da Alvorada).

João não foi bem aceito pelo populacho que devia estar traumatizado e escaldado de papas chamados “João”.  Tampouco seu jeito autoritário foi capaz de seduzir as massas. Três meses após sua eleição, deram-lhe um pau, encarceraram-no e, por fim, exilaram-no na Campagna.

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Papa João XIII sendo banido de Roma. Humor sobre ilustração de Tancredi Scarpelli (1930)

E lá vem Oto I bufando!  Os romanos se arrependeram e aceitaram o retorno do papa. Só por garantia, Oto I ficou na Itália até 972, protegendo o papa.  Nesse meio tempo, Roma viveu em paz e o imperador conseguiu tudo o que queria.

Em 967 João XIII, coroou como co-imperador o sucessor de Oto I, Oto II (criativo…).  As relações com o Oriente foram retomadas através do casamento de Oto II em 972 com uma princesa grega, sobrinha de João I, imperador bizantino.  Mas como nada é perfeito, quando João XIII elevou Cápua e Benevento à categoria de dioceses metropolitanas, estando essas dentro da área de controle bizantino, o patriarca começou a bater pezinho de novo.

Depois de tanta confusão envolvendo os papas anteriores, João XIII, embora não fosse um gigante, foi uma bênção e, como se diz, “foi o que deu pra arrumar”.  Papa de 965 a 972.

Bento VI - Parecia que as coisas seguiriam no ritmo estabelecido por Oto I quando Bento VI foi eleito papa.  Mas só parecia.  Essa tendência de famiglia dos italianos é uma desgraça.  Quando veio a falecer Oto I, seu filho Oto II estava às voltas com as revoltas internas na Alemanha e não pôde prestar o auxílio necessário ao papa. Resultado: entra aqui na história um perturbador sem noção chamado Franco, que queria por que queria ser papa.

Eu estava falando da tendência italiana de formar famiglias certo? Pois bem, os Crescentii não eram tão terríveis quanto os Teofilacto, mas surgiram para ocupar o vácuo deixado por eles (os imperadores, com um pouco de dificuldade é claro, conseguiram cortar suas asinhas).  Eram uma espécie de “novos ricos” da época e pensavam que o Palácio de Latrão era o equivalente romano do Morumbi.  Estão por trás da eleição de alguns papas também (modus operandi Teofilacto), mas não foram tão nocivos quanto seus antecessores – não por falta de vontade, mas por falta de oportunidade.

antipapa

Franco, o antipapa.

Bom, com Oto II se virando pra segurar seu barões, Franco se auto-intitulou Papa Bonifácio VII, desceu o cacete em Bento VI, encarcerou-o e foi pedir a benção dos Crescentii, que estavam por trás de tudo.  O representante imperial mandou soltarem o papa.  Franco ignorou-o.

Ciente da tradição dos Otos de “espanque primeiro pergunte depois”, o covarde mandou estrangular o papa na prisão, e se mandou logo que ficou sabendo da aproximação das tropas do imperador.  Fugiu, porém não sem antes surrupiar metade do tesouro do Santa Sé (se essa grana não voltou, cumé que dizem que a igreja tava milhardária?  Tem um cara por aí milhardário, isso sim, com dinheiro de bons cristãos).

O detalhe macabro disso é que Bento VI foi morto em Castelo Sant´Angelo, antiga residência oficial dos Teofilactos. Papa de 973 a 974.

Bento VII - Oto II resolveu seguir os passos de seu pai e segurou o ímpeto para o mal absoluto dos Crescentii.  Só que não seria fácil, e o novo papa Bento VII se viu em apuros.  Organizou um sínodo para excomungar Franco/Bonifácio VII enquanto este, com apoio dos Crescentii, armava uma revolta popular.  Para não aumentar a confusão, o papa resolveu sair da cidade.

E olha lá quem vai chegando…  Oto II!  Que reintegrou o papa. Mas o antipapa Bonifácio VII estava nas sombras e ali permaneceu durante todo esse papado.

Bento VII era um homem espiritual e incentivou o monaquismo, proibiu a simonia e trabalhou pela Igreja de Nosso Senhor. Também combateu a fome e ajudou os pobres.  Papa de 974 a 983.

João XIV – Maiolos, abade de Cluny, deveria ser o novo papa, porém recusou o convite de Oto II.  O imperador então, sem consultar o povo, escolheu Pedro Canepanova para suceder Bento VII.  Pedro não aceitou o cargo logo de cara, mas em dezembro de 984 cedeu, e mudou seu nome para João XIV.

Recém-empossado, ocorre um drama na vida desse papa: o imperador Oto II, de quem foi arquichanceler amigo pessoal, pegou malária e veio a falecer em seus braços.  Era tudo que o antipapa Bonifácio VII e os Crescentii queriam.  Os canalhas voltaram a carga e encarceraram João XIV, pra variar em Castel Sant´Angelo. Esse bom homem veio a falecer 4 meses depois de maus de tratos e de fome.  Papa de 983 a 984.

João XV – É o sucessor oficial de João XIVe Quanto a Bonifácio VII, apesar de ter ficado um tempo no trono do pescador, ele não faz parte da lista oficial de papas, sendo ainda hoje tratado como um antipapa.  Isso foi uma justiça muito bem feita pelo Vaticano em 1904, pois até aquele ano o safado era tido como Papa.

Com a morte do safado Bonifácio/Franco, foi escolhido como sucessor o monge João Leão, que se tornou o Papa João XV.  Ele chegou ao poder com apoio da nobreza, o que significava que tinha dedo dos Crescentii na história.  Isso advém do fato principal de que o sucessor de Oto II, Oto III, tinha 4 anos de idade na época da eleição.  Foi um período de balbúrdia que quase botou a perder o trabalho dos dois primeiros Otos.

João XV tinha formação erudita e foi piedoso, apesar de seus detratores dizerem ao contrário. Entretanto, uma aliança política não deve ter o poder de jogar por terra uma reputação, é preciso ter critério e aceitar a cruel realidade do contexto.  O papa se aliou aos Crescentii, tudo bem, mas trouxe para baixo da asa da Igreja a sempre desprotegida Polônia.  Resolveu contendas e evitou guerras.

E foi contra o próprio chefe da família Crescentii, Crescenzio Nomentano, que o papa pediu o auxílio da “Imperador” regente Teofania, esposa de Oto II e mãe de Oto III.  Teofania tinha como diretor espiritual São Adalberto e passou a viver em Ravena para controlar de pertinho os Crescentii (caso esses resolvessem solicitar os serviços do Departamento de Envenenamento Papal).  Teofania faleceu em 991 e a regência passou para as mãos da avó de Oto III, Santa Adelaide. Claro que os Crescentii obrigaram o papa a sair correndo.

Mas, olha lá quem vem chegando (de novo, e de novo…).  É Oto!  Volta João XV ao trono.

É durante o papado de João XV que morre a linha sucessória direta de Carlos Magno, substituída pelos capetígios, cujo primeiro rei foi Hugo Capeto.  Os Capetos são a linhagem direta do Rei Felipe IV, O Belo, de memória ligada ao extermínio dos templários e assassinato do Grão-mestre Jacques de Mollay.  Curiosamente, após o assassinato de Jacques, o ramo direto dos Capetos foi extinto, sendo substituído pelos Valois, mas isso é outra história (não percam em O Catequista).  

Foi o primeiro papa a canonizar oficialmente um santo:  Santo Ulrico de Augusta,que nasceu em 890 e morreu 973. Papa de 985 e 996.

Gregório V – Primeiro papa chucrute (como o papitcho Bento XVI).  Os Crescenti, Glória a Deus, não tinham a sutileza maldosa dos Teofilacto e partiam logo para ignorância.  Crescêncio II quis fazer e acontecer em Roma após a partida de João XV.  O clero apelou a quem? Quem? Oto!!! Agora o III. Este indicou para o trono seu primo Bruno da Caríntia.

Bruno é um nome pagão, e o jovem filho do duque da Caríntia, sendo fã de São Gregório Magno, assumiu o pontificado utilizando o nome de seu mestre (dele, meu, seu…).  Era muito jovem, mas preparado.  Tinha em mente a universalidade da fé retomando os passos de São Nicolau I.  Recebido com júbilo pelo povo, quase fez os Crescentii arrancarem as roupas íntimas pelas cabeças.

Por assim dizer, dois moleques estavam botando ordem na casa: Gregório com 25 e Oto com 16. Gregório era bom e convenceu seu primo a perdoar os amotinados.  Foi um grande erro.  A bondade foi paga com traição.  Gregório quis limpar a cidade santa da imundície que a nobreza espalhara durante todo o século X.  Houve certo desentendimentos com o imperador, que se recusou a renovar o pacto de seu avô como defensor do papado, em virtude de uma disputa a respeito de certos territórios dos Estados Pontifícios.  Aproveitando-se disso e da disputas na Alemanha, os Crescentii cooptaram a nobreza e expulsaram o papa de Roma.

E o filme se repetia, expulsam o papa e quem volta?  Oto III, que perdeu de vez a paciência com os traidores e humilhou e derrotou Crescêncio antes de executá-lo.  O restante do papado de Gregório V foi sempre no fio da navalha.  Pra não passar em branco; o antipapa João XVI, que foi colocado no trono pelos Crescentii, acabou também sendo morto pela sua própria soldadesca durante a fuga de Roma, o que desagradou São Nilo de Rossano, que implorou ao papa e ao imperador que permitisse que aquele se tornasse monge.

Gregório V foi um dos primeiros mecenas das artes e das ciências e, apesar dos ímpetos, um papa bom para os padrões de seu tempo.  Provavelmente foi morto pelo Departamento de Envenenamento Papal, a mando dos Crescentii. Um detalhe que eu não havia mencionado até agora:  Crescêncio I era filho de Teodora, a Jovem, a irmã mais nova de Marózia Teofilacto (eita familiazinhas complicadas, seu!).  Papa de 996 a 999.

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Terminamos aqui com o complicadíssimo século X.  A fase mais obscura para nós da Idade Média também encerra-se junto com ele. A partir do século XI vemos um mundo muito mais fulgurante, sob os auspícios de Jesus Cristo e a orientação da Igreja (apesar de um ou outro papa safado, nada mais foi assim tão terrível até Rodrigo Bórgia, claro).

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