14. Concílio de Calcedônia

20/09/2014 08:28

Concílio de Calcedônia

O que ditou o rumo das discussões teológicas no século V foi a Cristologia. Após as indagações envolvendo a Trindade, no século IV, resolvidas pelos Concílios de Niceia e Constantinopla, os cristãos se depararam com outra questão: como as naturezas divina e humana se relacionavam em Cristo. Dois extremos foram escolhidos pelos hereges: ou se separavam totalmente as duas naturezas, a ponto de elas ficarem justapostas; ou se juntavam demais, de modo a uma absorver a outra.

A heresia nestoriana, que adotou a primeira postura, foi condenada pelo Concílio de Éfeso, no ano de 431. Neste Concílio, sobressaiu-se a figura de São Cirilo de Alexandria, que teve alguns de seus escritos definidos como dogmáticos. Infelizmente, no fervor de defender a fé contra os nestorianos, Cirilo “carregou nas tintas” e, em uma expressão infeliz, escreveu que em Jesus havia “μία φύσις – uma natureza”. Esse deslize de Cirilo deu origem à heresia monofisita. Para explicar que “em Jesus havia uma natureza”, uns diziam que a divindade tomara posse da humanidade, “como uma gota de mel diluída no oceano”; outros, que a divindade se esvaziara na humanidade; outros advogavam uma espécie de mistura das naturezas; e outros, ainda, ressuscitaram a heresia do apolinarismo, que dizia que a “alma” de Jesus era, na verdade, a Sua divindade.

O sucessor de Cirilo no patriarcado de Alexandria, Dióscoro, tornou-se adepto desta heresia e um de seus discípulos, Eutiques, monge de Constantinopla, conseguiu acesso junto à imperatriz Eudóxia e ao imperador Teodósio II, colocando o monofisismo sob a proteção do poder real.

Flaviano, patriarca de Constantinopla, defensor da fé católica, em um ato de coragem, reuniu alguns bispos e condenou Eutiques. Ao revés, Eutiques, novamente por influências políticas, conseguiu do imperador Teodósio II a convocação de um concílio, em Éfeso, no ano de 449. Nesta reunião, o heresiarca conseguiu mais uma condenação do nestorianismo – ainda defendido por Teodoreto de Cirro, por exemplo –, além de sua própria reabilitação. No entanto, o que era para ser um concílio se revelou um verdadeiro conciliábulo: a confusão instalou-se entre os presentes e o patriarca de Constantinopla acabou agredido e assassinado.

O Papa da época, São Leão Magno – que já havia escrito uma carta a Flaviano [1], explanando a fé católica e condenando com clareza os erros de Eutiques –, quando tomou consciência das circunstâncias em que se deu a reunião de Éfeso, chamou-a de “concílio de ladrões”. Consciente da gravidade do problema, Leão pediu ao imperador Teodósio II que convocasse um Concílio, mas ele, sendo monofisita, não atendeu ao apelo do Papa.

Com a morte de Teodósio, no entanto, sobem ao poder sua irmã Pulquéria e seu cunhado Marciano, que, enfim, decidem atender ao pedido do Sumo Pontífice, convocando um Concílio para a cidade de Calcedônia – hoje, a parte de Istambul que fica na Ásia –, no ano de 451. Ali, seiscentos bispos reunidos ouviram a leitura do Tomus ad Flavianum, e, abismados com a sabedoria e a precisão teológica do Papa, exclamaram, em uníssono: “Pedro falou por Leão”.

O símbolo de fé de Calcedônia [2] estabelece com bastante clareza a relação entre a divindade e a humanidade de Cristo: Ele éομοούσιος ημιν – consubstancial ao Pai”, mas, também, “ομοούσιος ημιν – consubstancial a nós”; n’Ele, há “uma só pessoa” (πρόσωπον) e “uma só hipóstase” (υπόστασιν); e as suas duas naturezas se relacionam “inconfuse, immutabiliter, indivise, inseparabiliter – sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação”. Os dois primeiros advérbios refutam o monofisismo e os dois últimos refutam o nestorianismo. Portanto, em Cristo há duas naturezas: unidas, sem se confundirem; distintas, sem se separarem.

Por que esses conceitos são tão importantes? Por causa de suas consequências soteriológicas: se o nestorianismo vencesse – ou seja, se em Cristo houvesse duas naturezas separadas –, não haveria salvação, pois o abismo entre Deus e o homem continuaria existindo; ao mesmo tempo, se o monofisismo tivesse prevalecido, uma das duas naturezas se teria aniquilado – ou Deus desapareceria, como acontece no materialismo marxista, ou tudo se tornaria Deus, como acontece no panteísmo hegeliano. A fé cristã é uma coisa totalmente diferente disso: ela crê na comunhão do homem com Deus, através da união hipostática de Cristo.

Essas noções teológicas também são importantes para estudar e compreender uma série de dogmas cristãos. Não é possível, por exemplo, compreender o sacerdócio, senão como participação no mistério da união hipostática. A pessoa de Maria Santíssima também se relaciona em grande parte com esta realidade. Por isso, o Concílio de Calcedônia é de uma importância fundamental para a fé católica.

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Referências

  1. Carta Lectis dilectionis tuae, ao bispo Flaviano de Constantinopla (“Tomus [I] Leonis”), 13 jun. 449: DS 290-295
  2. 5ª sessão, 22 out. 451: Símbolo de fé de Calcedônia: DS 300-303

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