13. As grandes controvérsias cristológicas do século V

20/09/2014 08:19

 

Resolvidas as controvérsias acerca da Santíssima Trindade nos Concílios de Niceia e de Constantinopla, a Igreja se confrontou, no século V, com a questão de como o Filho, a segunda pessoa da Santíssima Trindade, operou a salvação da humanidade através da Encarnação.

Antes mesmo do século V, duas heresias já anunciavam o conflito que culminaria com os grandes Concílios de Éfeso e de Calcedônia.

A primeira, chamada adocionismo, que teve como locutor principal Paulo de Samósata, afirmava que Jesus era um simples homem mas, elevado por Deus a um estado de graça singular, fora "adotado" pelo Pai. Com isso se dava uma grande ênfase na distinção das naturezas, a ponto de separá-las completamente.

A segunda heresia, o apolinarismo, era o oposto da primeira: enfatizava a tal ponto a união entre as naturezas, que acabava atenuando ou até suprimindo uma delas. Apolinário ensinava que o Verbo não tomou do homem "senão o corpo e a alma animal, substituindo a alma espiritual pela divindade" [1]. Ou seja, a humanidade de Cristo seria uma espécie de "fantoche" de Deus.

Essas duas heresias deram origem a duas tendências teológicas: a primeira, em Antioquia, viu surgir a heresia do nestorianismo. Ao invés de falar da "união" das naturezas, Nestório gostava da palavra "conjunção". Não era nada mais que uma tentativa de construir um adocionismo sofisticado. A segunda tendência, presente em Alexandria, originou mais tarde o monofisismo, segundo o qual as naturezas de Cristo estariam de tal modo unidas que, no fim das contas, restaria lugar apenas para a Sua divindade.

Da escola de Antioquia, sai Nestório, enviado para Constantinopla como patriarca. Nessa cidade, ele encontra uma grande devoção à Virgem Maria, venerada pelo povo e pelos monges sob o título de Theotókos, isto é, Mãe de Deus (em latim, Deípara, Aquela que gerou Deus). Nestório, que tinha Maria como mãe unicamente do "Cristo homem", escandalizado com esse título, começa a condenar o seu uso, excitando o zelo dos cristãos de Constantinopla.

Então, um leigo chamado Eusébio escreve para o Papa Celestino apelando em favor do povo da região. Nestório, porém, também escreve para o Sumo Pontífice. A correspondência teve de ser traduzida para o latim, o que causou grande demora na apreciação do pleito pelo Papa, e, nesse meio tempo, entrou em ação a figura de São Cirilo de Alexandria.

Em seu amor à Igreja, Cirilo escreve uma carta a Nestório, pedindo que reconsidere sua posição e aceite a invocação de Maria como "Mãe de Deus". Nestório, no entanto, não dá grande importância à carta: escreve de volta, pedindo a Cirilo que "não exagere". Em uma nova missiva, desta vez embasada em sólidos argumentos teológicos [2] - de fato, esta carta se tornou tão importante que foi incluída no Concílio de Éfeso [3] -, Cirilo expõe de modo magistral a fé católica: defende a "união hipostática", ou seja, que a natureza divina e a natureza humana de Cristo estão unidas numa única hipóstase, numa única pessoa, Jesus Cristo.

O erro de Nestório era dizer que existiam em Cristo duas pessoas - uma filha de Deus e outra filha de Maria -, quando, na verdade, existia apenas uma pessoa, em duas naturezas.

Não sendo as cartas de Cirilo suficientes para trazer Nestório à fé católica, o patriarca de Alexandria escreve uma terceira, em que faz uma série de anátemas (condenações) contra a doutrina nestoriana. Nelas, ele foge da precisão da segunda carta e "carrega nas tintas", exagerando ao enfatizar a união das naturezas de Cristo. Este exagero faz nascer, mais tarde, a heresia monofisita.

Traduzidas as cartas de Eusébio e Nestório para o latim, o Papa Celestino I convoca um Sínodo, no qual se decide pela condenação de Nestório. Em Alexandria, Cirilo convoca outro Sínodo e, obediente a Roma, também condena Nestório. Os decretos de condenação são enviados ao herege, com um prazo fixado para que ele reconsidere sua posição.

Nestório, no entanto, é tenaz. Para se defender, ele recorre ao Imperador de Constantinopla, Teodósio II. Este, para defender seu patriarca, convoca um Concílio para a cidade de Éfeso, que se localiza na metade do caminho entre Constantinopla e Alexandria, na costa asiática da Turquia.

Em 431, no dia de Pentecostes, todos estão convocados para estar em Éfeso. A reunião começa por iniciativa de Cirilo que, mesmo com o atraso das comitivas dos seguidores de Nestório e dos delegados papais, decide dar início ao Concílio. O gesto do patriarca de Alexandria divide a assembleia: um grande grupo de bispos sai do local, recusando-se a participar do que consideraram uma desonestidade. Mesmo assim, os debates se iniciam e prosseguem.

O Imperador, percebendo que aquele quórum dará a vitória a Cirilo, manda a polícia até o local do Concílio, juntamente com o grupo de bispos que havia se retirado. Aproveitando-se da presença dos bispos, Cirilo argumenta que, já que estão ali, não há motivo para não se debater o assunto. E, assim, a reunião continua. A segunda carta de Cirilo a Nestório é lida na assembleia e os padres conciliares reconhecem nela a fé da Igreja. É também debatida e condenada a resposta de Nestório, pois ali não está a fé dos apóstolos. Em seguida, Nestório é condenado.

Nestório, evidentemente, não satisfeito com o resultado do Concílio, tão logo a comitiva vinda de Antioquia chega, trama outro Concílio, no qual Cirilo é condenado e Nestório, absolvido. Quando o Imperador percebe o tamanho da tragédia, um verdadeiro cisma, condena os dois e manda prender tanto Cirilo quanto Nestório. Cirilo, no entanto, consegue escapar.

A condenação de Nestório e a confirmação de que a Virgem Santíssima poderia sim ser chamada de Theotókos produziu na cidade de Éfeso uma grande alegria. Os fiéis, devotos de Maria, saíram às ruas, acompanhando os padres conciliares, louvando e glorificando a Toda Santa Mãe de Deus.

A controvérsia não se encerrará neste episódio. Na próxima aula, se verá como, dois anos depois, em 433, há um acordo entre as duas facções, mas, com a morte de Cirilo, seus seguidores iniciam o que se tornará a heresia monofisita.

O fato é que em Éfeso nasce um ensinamento e uma doutrina que irá estabelecer para a história da Igreja dois fatos dogmáticos extraordinários e importantíssimos: 1. a união hipostática, ou seja, em Jesus, as duas naturezas estão unidas na hipóstase do Verbo Eterno e esta união será uma chave de leitura para a teologia nos séculos seguintes; 2. a comunicação dos idiomas, aquilo que é típico e característico das duas naturezas de Jesus é comunicado para a única pessoa do Verbo Eterno, por isso é possível chamar Maria de "Mãe de Deus".

Fonte: Link

Referências    

  1. Henri Daniel-Rops. A Igreja dos tempos bárbaros. Quadrante: São Paulo, 1991. p. 153
  2. Denzinger-Hünermann a partir do número 250.
  3. Para maiores detalhes a respeito da carta de São Cirilo de Alexandria a Nestório ver a obra "O Deus da Salvação", do historiador Pe. Bernard Sesboue, Ed. Loyola, Tomo I, pg. 317 e seguintes.

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